20100422

O PPD/PSD vai acabar em 2010?

A história parece condenada a repetir-se, com uma monotonia exasperante, no PSD. É o mesmo e eterno psicodrama da instabilidade, da indefinição programática e das rivalidades entre velhos e novos barões que se arrasta, afinal, desde os tempos já longínquos da fundação do partido, se exceptuarmos um único verdadeiro interregno: o consulado e as maiorias absolutas de Cavaco Silva.
Com Cavaco, o cimento do poder consolidou ilusoriamente aquilo que parecia ciclicamente prometido à balcanização e à desintegração. Ora, é isso que volta a irromper neste ciclo de esgotamento em que o partido mergulhou, apenas com um candidato declarado à liderança e uma nebulosa de hipotéticos candidatos, mas sem que nenhum deles esteja manifestamente à altura de regenerar, unir e propor um destino credível ao PSD.
É assim que a história do partido corre o risco de chegar ao fim em 2010. E quem o sugere não são quaisquer ‘inimigos externos’ mas algumas das suas figuras mais notórias, exprimindo um inconsciente profundo de ressentimento, vaidades feridas, desorientação, masoquismo.

A morte prematura e trágica de Sá Carneiro fez esquecer – como acontece, em geral, depois dos acontecimentos que suscitam processos de mitificação – esse equívoco identitário de um partido dividido, desde sempre, entre duas matrizes conflituais: a de um liberalismo mais ou menos populista – que corresponderia, afinal, à essência sociológica e política do PPD – e a de uma social-democracia idealizada pelo seu primeiro líder, à imagem do modelo nórdico.
Daí a vontade de Sá Carneiro de substituir a sigla inicial de PPD pela de PSD (assim que esta passou a estar disponível, depois do desaparecimento precoce de um partido com a mesma designação, onde pontificavam figuras como Adelino da Palma Carlos). O PPD tornou-se então PSD, mas essa ‘metamorfose’ nunca foi pacífica e verdadeiramente aceite, mesmo entre alguns devotos sá-carneiristas, nos quais se incluía, por exemplo, o jovem Pedro Santana Lopes, que insistiram sempre em batalhar por uma sigla dupla. Uma sigla que correspondia, simbolicamente, a uma dupla identidade, uma dupla personalidade, como se estas pudessem, afinal, completar-se e coexistir em vez de reflectirem uma situação esquizofrénica.

Acontece que o equívoco identitário do PSD atravessava a personalidade complexa e inconstante do próprio Sá Carneiro, no fundo um conservador liberal nortenho cujo sonho de modernidade para Portugal precisava de projectar-se numa referência libertadora das suas próprias origens pessoais de classe e de casta. Ora, a social-democracia sueca, dinamarquesa ou norueguesa, sublimava esse desejo: oferecia uma imagem onde se conjugavam a prosperidade, a liberdade e a justiça social em contraponto à herança sombria, ruralista e opressora do salazarismo.
Mas os acidentes do PREC e o conflito de Sá Carneiro com o Conselho da Revolução e o general Eanes comprometeram decisivamente este equilíbrio precário entre os desejos e a realidade. Transportado na onda dos acontecimentos, entre intempestivas saídas e reentradas em cena, com o partido dividido entre uma ala mais moderada e outra mais radical, Sá Carneiro acabou por assumir-se de facto como líder da direita até ao seu desaparecimento trágico.

A instabilidade crónica do PSD radica, pois, nas suas origens – e a indefinição programática e ideológica também. É isso que frequentemente se dissimula, ou que os próprios – e raros – intelectuais do partido, com destaque para o mais brilhante politicamente deles todos, Pacheco Pereira, nunca foram capazes de pensar com a profundidade e a distância crítica necessárias para ultrapassar os estados de alma circunstanciais.
Não terá sido por acaso que foi um homem acidental, um tecnocrata sem passado político e ideologicamente asséptico, o líder que conseguiu impor-se às baronias feudais do PSD depois de conquistar duas maiorias absolutas consecutivas. A falta de ideologia de Cavaco foi um bálsamo para os dramas existenciais do partido e ele soube explorar engenhosamente a situação, invocando a faculdade majestática de ‘nunca se enganar e raramente ter dúvidas’.
Cavaco pacificou um corpo partidário exausto depois dos seus transes cíclicos e que se tornara obediente e sequioso dos privilégios do poder, numa conjuntura em que o país desfrutava da miragem da prosperidade fornecida pelos fundos europeus. Mas sendo um ‘estrangeiro’ na política – exactamente o oposto de Sá Carneiro –, o actual Presidente acabaria por sentir-se cada vez mais desconfortável na pele de líder partidário e primeiro-ministro.
As contestações populares na fase final da sua governação e a inabilidade política – para não dizer o indisfarçável cansaço – que deixou transparecer nesse momento abalaram a sua imagem de ‘homem providencial’ aos olhos do partido que domesticara. Instaladas de novo a instabilidade, as intrigas, as rivalidades entre barões ou herdeiros, foi claramente contrariado que Cavaco acederia a disputar as presidenciais seguintes, vencidas por Jorge Sampaio.

Fechado o longo parêntesis cavaquista, o PSD retomou a sua inclinação profunda, agudizada com a ‘fuga’ de Durão Barroso para Bruxelas. E desde então tem sido o que se viu, com quatro líderes por curtíssimo prazo – e, agora, com outros putativos candidatos (embora apenas um declarado) a idêntico destino.
Em Belém, Cavaco pouco pode fazer – e se o fizer corre um risco sério de suicídio político – para ajudar a salvar o que resta do PSD, embora precise da base de apoio partidária para uma eventual recandidatura à Presidência. Mesmo que o PPD/PSD acabe por não desaparecer em 2010, já quase ninguém parece acreditar que sobreviverá por muito mais tempo ao seu dilema original, à exaustão e ao vazio que nele se instalou. Ou também ao seu ‘medo de existir’.
por Vicente Jorge Silva

In: http://sol.sapo.pt/blogs/vicentejorgesilva/archive/2010/01/15/O-PPD_2F00_PSD-vai-acabar-em-2010_3F00_-.aspx

20100420

"Surgimento das FP-25 fez sentido. Não tenho de que me arrepender"

Gobern Lopes, um dos fundadores das FP-25 e o primeiro a assumir-se como membro da organização, considera que, "naquele contexto, o grupo tinha um propósito forte" e diz que hoje, 30 anos passados, "não tem de que se arrepender"
Em entrevista à agência Lusa, o ex-operacional afirmou que "todas as coisas foram feitas de forma consciente".
"Situando-me na altura em que as coisas ocorreram, considerando a forma como eu pensava, como eu sentia, como eu via, não posso dizer que me arrependa de nada. Não tenho de que me arrepender. Talvez o trajecto que depois as coisas levaram se tenha desvirtuado", disse.

"O nosso objectivo era o enquadramento militar dos trabalhadores numa perspectiva defensiva, não com carácter de lançar a luta armada. Mas a dada altura o contexto alterou-se. As organizações que sejam organizações paramilitares ou militares têm muita dificuldade em ficar por aí, em acumular forças em termos estratégicos. Há sempre uns quantos que têm muito sangue na guelra e que querem é atuar. E depois perdem-se", acrescentou.

Gobern Lopes considera que a partir de determinado momento a organização andou depressa demais e acabou por se afastar daqueles por quem queria fazer uma revolução.
"Embora em termos de espírito nós estivéssemos de acordo com o que se estava a viver, não estávamos de acordo com a vontade das pessoas em relação às quais estávamos a fazer este processo".

"E aquilo que mexeu sempre mais comigo foi a incapacidade de travar, de fazer sentir às pessoas coisas que eram do senso comum, que a caminhar como estávamos a caminhar naquele processo, íamos acabar por ir todos presos. E que isso ia resultar, não numa mais-valia para o movimento revolucionário, mas sim num prejuízo", disse.

"As organizações armadas têm um problema, que é que todos estão armados. Quando se esgotam os caminhos da razão, quais é que ficam?"
Mas na génese do movimento, defende, o caminho não podia ter sido outro: "Desde 1975 [que se sentia crescer] uma ofensiva contra um conjunto de conquistas que os trabalhadores tinham conseguido. Acaba o controlo operário, a autogestão das empresas, é liquidada a reforma agrária. As duas redes bombistas alicerçadas no PPD e no CDS, responsáveis por mais de 30 mortes não eram presas e não havia condenações. Os PIDES não tinham sido julgados, alguns até estavam a ser reintegrados".

"Tudo isto culmina com o Governo de Aliança Democrática, que congrega toda a direita e extrema direita. A ofensiva era grande. O próprio Mário Soares fez um discurso, em vésperas do 25 de Abril, dizendo que estava iminente um golpe fascista", acrescentou.
É nesta conjuntura, diz o ex-operacional, "que surgem as FP-25, uma continuidade de um processo de reestruturação da esquerda revolucionária que já vinha de 1976 com as Brigadas Revolucionárias e com o Partido Revolucionário do Proletariado".
Entre 1980 e 1987, as FP 25 foram responsáveis por 17 assassinatos, 66 atentados à bomba e 99 assaltos a bancos.

"O Anarquinho", como era conhecido, foi acusado de mais de 100 crimes e condenado a 20 anos de cadeia. Entre fugas, indultos e amnistias, acabou por estar preso apenas cinco anos.
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